quarta-feira, 30 de maio de 2012

CASO FRAT: MP diz que houve má fé na liberação da certidão

Sara Comin (Redação Erechim / DM) Editora de Política em Erechim - sara@diariodamanha.net


Ligações interceptadas com autorização judicial e feitas entre a proprietária da Frat, o então presidente do PT e o secretário de Obras Públicas e Habitação mostrariam que alvará de localização dado à boate, que está em local proibido pelo Plano Diretor, foi concedido com conhecimento da ilegalidade.

A juíza da 1ª Vara Criminal da Comarca de Erechim, Ádria Josiane Gonçalves Müller Atz, aceitou pedido de medida cautelar feito pela Promotoria de Justiça Criminal e determinou, na quinta-feira (24/5), o afastamento dos servidores públicos Ênio Faitão (secretário de Obras) e Fernando Stachelski (assessor técnico), que também estão proibidos de frequentar as dependências da Prefeitura de Erechim e quaisquer de seus órgãos. Faitão foi denunciado pelo Ministério Público por falsidade ideológica e supressão de documento público e Stalchelski por falsidade ideológica de documento público no caso envolvendo a concessão de alvará de funcionamento à boate Frat, que está localizada em área cuja atividade não é permitida pelo Plano Diretor do município.
No despacho, a magistrada esclarece que as medidas restritivas têm o intuito de preservar a prova e evitar a prática de novas infrações penais, afirmando ter nos autos a prova da materialidade dos delitos no inquérito civil, documentos na interceptação telefônica, levantamento fotográfico, laudo pericial, procedimentos administrativos e indícios suficientes da autoria, através das declarações prestadas no procedimento investigatório e nas escutas obtidas através de interceptação telefônica compartilhada.
No documento, ela também informa que, embora não seja o momento para análise da prova, Faitão e Stachelski, em razão de laços de amizades e ou partidários com os demais réus (Eva Kierniew e Airton Farina – proprietários da Frat, e Alexandre Kierniew – administrador da boate, também denunciados por uso de documento particular falso), inseriram declaração falsa em documento público “ao declararem que no local em que a Frat iria se estabelecer comercialmente, eram permitidas atividades de venda e consumo de alimentos e bebidas, bares, boates, casas noturnas e salões de dança, desde que atendidos aspectos legais relativos à poluição sonora, com o fim de alterar a verdade sobre fatos juridicamente relevantes, permitindo que a boate obtivesse licença para funcionamento, embora contrariando as normas do Plano Diretor do município, o que, segundo a juíza, era de conhecimento dos servidores públicos, tanto que o pedido havia sido indeferido anteriormente. Além disso, Faitão destruiu/ocultou, em benefício próprio e dos corréus, documento púbico verdadeiro, no qual indeferia a certidão de zoneamento, não permitindo o funcionamento da Frat, anteriormente ao deferimento do alvará”, observa.
Para a juíza, as condutas dos servidores são uma afronta à sociedade erechinense e abalam a ordem pública a ponto que, não havendo forte reprimenda estatal, poderá gerar descréditos aos poderes constituídos.
A partir da notificação, o secretário e o assessor terão 15 dias para apresentar defesa por escrito. Eles foram afastados sem prejuízo de suas remunerações e não sendo cumpridas as medidas postuladas elas poderão ser convertidas em prisão preventiva em qualquer fase processual.
Em nota, a Prefeitura de Erechim informou que, a pedido do MP e cumprindo decisão judicial, afastou o secretário e o assessor para que eles possam se defender de um alvará concedido equivocadamente e que não trouxe nenhum prejuízo ao erário. Autor da denúncia, o promotor de justiça, Luciano Vaccaro, discorda da posição da Prefeitura e assegura que houve má fé na concessão da certidão. Para ele, as interceptações telefônicas autorizadas judicialmente comprovam o conhecimento prévio e acordo de vontades do secretário e seu assessor para a falsidade ideológica que cometeram. “Ainda que ambos, em suas declarações, tenham dito que na emissão da certidão de zoneamento não houve dolo nem má-fé, essa afirmativa é totalmente desmentida pelas interceptações telefônicas, e que captaram conversações entre a proprietária da Frat e o então presidente do PT, Claudionor Bernardi, que embora tenha sido citado na investigação, por ter mantido contato telefônico com Eva, não é investigado e nem a ele foi imputada conduta criminosa”, informa.
Promotor de Justiça, Luciano Vaccaro
Conforme Vaccaro, o pedido de certidão de zoneamento foi, inicialmente, indeferido pelo secretário e pelo assessor porque a atividade de boate naquele local onde está a Frat é proibida pelo Plano Diretor. “Mas dias depois uma certidão foi expedida com base em lei de 2009, que permite a atividade desde que a empresa estivesse estabelecida no local até dezembro de 2006, o que não era o caso da Frat Social Club. Com o embargo da obra, iniciou, por parte da proprietária do estabelecimento, contatos pessoais e telefônicos tanto com órgão público, onde o requerimento tramitava, quanto com o então presidente do PT, com o objetivo de reverter a decisão o que foi feito com pleno conhecimento da ilegalidade. As investigações contam com arquivos de áudio de outra investigação já finalizada, em que a dona da boate pressiona políticos da cidade para que o secretário expedisse o alvará. Após comprometer-se a dar um jeito e a arrumar os meios para liberar a certidão de zoneamento, o secretário e seu assessor praticaram o delito de falsidade ideológica no documento público que firmaram”, acrescenta.
Ainda de acordo com o promotor de justiça, entre os dias 9 de novembro de 2011 e 29 de fevereiro de 2012, o secretário Faitão teria destruído ou ocultado, documento público verdadeiro, no qual indeferia a certidão de zoneamento, não permitindo o funcionamento da Frat, anteriormente ao deferimento do alvará.

AS PROVAS

Declaração com assinatura falsificada,
conforme laudo do IGP
A reportagem do Diário da Manhã teve acesso à investigação e reproduz parte da escuta telefônica, que confirma a tese da denúncia do MP. Os nove telefonemas foram efetuados no dia 9/11/2011, mesma data em que a obra foi embargada. Na primeira ligação, feita às 11h09min44seg, a proprietária da Frat pergunta ao então presidente do PT o porquê da decisão.
Nela Eva diz: “Deixa eu me acalmar, que eu tô nervosa. Eu queria saber por que que (...) o Ênio embargaram a minha obra?! (...) Tô gastando um monte lá, tô fazendo a obra. Agora vem, [hoje] de manhã, e embara… vem embargar a obra e não… não dão nem satisfação?”.
Em seguida, o então presidente do PT mantém contato com o secretário para saber o que houve com o empreendimento de Eva, e Faitão explica que, pelo Plano Diretor, no local não é permitido o tipo de atividade de boate que está sendo requerido. Todavia no decorrer da conversa o secretário diz que ‘se quiserem’ ele dá um jeito de liberar.

Certidão ideologicamente falsa porque
contraria o que determina a lei

Enio diz:“Se quer... quer liberar? Eu libero. (...) Só depois tem as consequência, né. (...) E arrumo até meios pra liberar. (...) Eu mesmo sou o que diz não e arrumo pra dizer o sim. (...) Eu libero. Pode... não... não se preocupe. Só alerto por causa dos problemas aí”. Na mesma conversa, Faitão menciona o assessor. Ele diz: “(...) o meu engenheiro aqui tava acompanhando. E já tavam meio que liberando. Eu fui hoje de manhã e disse: “ó, cancela tudo! Cancela tudo! Não quero nem saber!”. Mas, assim ó, volto atrás a qualquer momento. (...) E arrumo argumento. Vamo se empenhar depois. Mas eu, para abrir, eu dou um jeito”.
Ainda nesta ligação, Faitão conversa acerca da pressão política feita por Eva.
O secretário comenta: “Eu me admiro que as pessoas (...), por mais serem petistas, eles não entendem que tudo… E, outra, já mandei monte de coisa lá pra ela, já ajudei, liberei, desde o negócio lá do… dos alvará, do… pra funcionar o tal do QG deles, mandei brita pra ela. Paguei do meu bolso brita pra mandar pra ela. Tudo isso não vale de nada! Agora, primeira coisa de ética, os petistas deveriam po… tirar como denominador: posso funcionar? A lei não permite? A lei não permite! Deveria ter como linha. (...) Mas não tem problema nenhum, eu mando abrir! Se quiserem, eu mando abrir. Pode dizer. Eu mesmo arrumo…”.

ENTENDA O CASO

Conforme a denúncia, em 18/10/2011, os proprietários da Frat ingressaram com pedido de certidão de zoneamento para atividade de bar e boate, etapa prévia aos requerimentos de concessão de alvará de localização, que permite o funcionamento, e de aprovação de projeto de isolamento acústico.
*No dia 9/11/2011, a Secretaria de Obras Públicas e Habitação, inicialmente, indefere o pedido e embarga as obras com base na Lei Municipal n.º 2.595/94 (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Sustentável de Erechim – PDDUAS), que não permite a instalação de boate, casas noturnas e salões de dança no local. No mesmo dia, a proprietária da Frat, filiada ao Partido dos Trabalhadores, teria feito telefonemas ao então presidente do partido em Erechim, com o intuito de reclamar e modificar a decisão de embargo da obra. No mesmo dia o então presidente do PT teria telefonado ao secretário de Obras, também filiado ao partido, para se informar do ocorrido. Após ressaltar inúmeras vezes a ilegalidade da utilização do imóvel para os fins pretendidos no requerimento de certidão de zoneamento para a boate Frat, Faitão teria se comprometido a dar um jeito e a arrumar os meios para liberar o documento, e junto com o assessor técnico, Fernando Stachelski, teria começado a proceder de maneira ilícita para deferir a certidão, o que teria acontecido no dia 24/11/2011, conforme documento assinado por Faitão e Stachelski, mas com conteúdo ideologicamente falso.
* No dia 10/11/2011, um dia depois das ligações, os proprietários e o administrador da Frat apresentam uma declaração assinada pela antiga proprietária do estabelecimento, afirmando que ela exercia a atividade de bar, boate e pensão no local antes de 2006. O documento, com firma reconhecida em Cartório por semelhança de assinatura, foi falsificado, conforme laudo pericial do IGP – Instituto Geral de Perícias, que concluiu que a assinatura atribuída à antiga proprietária do estabelecimento é inautêntica.
* No dia seguinte, 11/11/2011, de posse da certidão de zoneamento ideologicamente falsificada, os proprietários e o administrador da Frat teriam feito uso dela em outro expediente administrativo, com o objetivo de obter a concessão do alvará de localização, da Secretaria da Fazenda, que o concedeu em 16/12/2011.
O estabelecimento funcionou como boate e casa de festas e eventos de 15/12/2011 a 9/03/2012, quando o Município de Erechim acatou recomendação expedida pelo 1º Promotor de Justiça da Promotoria de Justiça Especializada de Erechim, Maurício Sanchotene de Aguiar, para invalidação/anulação do alvará de localização e funcionamento, e a imediata interdição das atividades de boate, casa noturna, discoteca, salões de festa, salões de dança e similares.

CONTRAPONTO

Até o fechamento desta edição, a reportagem tentou contatar o secretário de Obras, o assessor técnico e a proprietária da Frat telefonando para suas residências e celulares mais de uma vez, mas nenhum deles atendeu e ou retornou às ligações. O espaço para eles se manifestarem está aberto.

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